Ao defender o esmero com as
celebrações litúrgicas e a beleza como uma «necessidade vital» que deve
permeá-las, a escritora brasileira Adélia Prado afirma que «a missa é como um
poema, não suporta enfeite nenhum».
«A missa é a coisa mais absurdamente
poética que existe. É o absolutamente novo sempre. É Cristo se encarnando,
tendo a sua Paixão, morrendo e ressuscitando. Nós não temos de botar mais nada
em cima disso, é só isso», enfatiza.
Poeta e prosadora, uma das mais
renomadas escritoras brasileiras da atualidade, Adélia Prado, 71 anos, falou
sobre o tema da linguagem poética e linguagem religiosa essa quinta-feira, em
Aparecida (São Paulo), no contexto do evento «Vozes da Igreja», um festival
musical e cultural.
Ao propor a discussão do resgate da
beleza nas celebrações litúrgicas, Adélia Prado reconheceu que essa é uma
preocupação que a tem ocupado «há muitos anos». «Como cristã de confissão católica,
eu acredito que tenho o dever de não ignorar a questão», disse:
«Olha, gente – comentou com um tom de
humor e lamento –, têm algumas celebrações que a gente sai da igreja com
vontade de procurar um lugar para rezar.»
Como um primeiro ponto a ser
debatido, Adélia colocou a questão do canto usado na liturgia. Especialmente o
canto «que tem um novo significado quanto à participação popular», ele «muitas
vezes não ajuda a rezar».
«O canto não é ungido, ele é feito,
fazido, fabricado. É indispensável redescobrir o canto oração», disse, citando
o padre católico Max Thurian, que, observador no Concílio Vaticano II ainda
como calvinista, posteriormente converteu-se ao catolicismo e ordenou-se
sacerdote.
Adélia Prado reforçou as observações,
enfatizando que «o canto barulhento, com instrumentos ruidosos, os microfones
altíssimos, não facilita a oração, mas impede o espaço de silêncio, de
serenidade contemplativa».
Segundo a poeta, «a palavra foi
inventada para ser calada. É só depois que se cala que a gente ouve. A beleza
de uma celebração e de qualquer coisa, a beleza da arte, é puro silêncio e pura
audição».
«Nós não encontramos mais em nossas
igrejas o espaço do silêncio. Eu estou falando da minha experiência, queira
Deus que não seja essa a experiência aqui», comentou.
«Parece que há um horror ao vazio.
Não se pode parar um minuto». «Não há silêncio. Não havendo silêncio, não há
audição. Eu não ouço a palavra, porque eu não ouço o mistério, e eu estou
celebrando o mistério», disse.
De acordo com a escritora mineira
(natural de Divinópolis), «muitos procedimentos nossos são uma tentativa de
domesticar aquilo que é inefável, que não pode ser domesticado, que é o
absolutamente outro».
«Porque a coisa é tão indizível, a
magnitude é tal, que eu não tenho palavras. E não ter palavras significa o quê?
Que existe algo inefável e que eu devo tratar com toda reverência.»
Adélia Prado fez então críticas a
interpretações equivocadas que se fizeram do Concílio Vaticano II na questão da
reforma litúrgica.
«Não é o fato de ter passado do latim
para a língua vernácula, no nosso caso o português, não é isso. Mas é que nessa
passagem houve um barateamento. Nós barateamos a linguagem e o culto ficou
empobrecido daquilo que é a sua própria natureza, que é a beleza.»
«A liturgia celebra o quê?» –
questionou –. «O mistério. E que mistério é esse? É o mistério de uma criatura
que reverencia e se prostra diante do Criador. É o humano diante do divino. Não
há como colocar esse procedimento num nível de coisas banais ou comuns.»
Segundo Adélia, o erro está na
suposição de que, para aproximar o povo de Deus, deve-se falar a linguagem do
povo.
«Mas o que é a linguagem do povo? É
aí que mora o equívoco», – disse –. «Não há ninguém que se acerca com maior
reverência do mistério de Deus do que o próprio povo».
«O próprio povo é aquele que mais tem
reverência pelo sagrado e pelo mistério», enfatizou.
«Como é que eu posso oferecer a esse
povo uma música sem unção, orações fabricadas, que a gente vê tão multiplicadas
e colocadas nos bancos das igrejas, e que nada têm a ver com essa magnitude que
é o homem, humano, pecador, aproximar-se do mistério.»
Segundo a escritora brasileira,
barateou-se o espaço do sagrado e da liturgia «com letras feias, com músicas
feias, comportamentos vulgares na igreja».
«E está tão banalizado isso tudo nas
nossas igrejas que até o modo de falar de Deus a gente mudou. Fala-se o
“Chefão”, “Aquele lá de cima”, o “Paizão”, o “Companheirão”.»
«Deus não é um “Companheirão”, ele
não é um “Paizão”, ele não é um “Chefão”. Eu estou falando de outra coisa.
Então há a necessidade de uma linguagem diferente, para que o povo de Deus
possa realmente experimentar ou buscar aquilo que a Palavra está anunciando»,
afirmou.
Para Adélia Prado, «linguagem
religiosa é linguagem da criatura reconhecendo que é criatura, que Deus não é
manipulável, e que eu dependo dele para mover a minha mão».
Com esse espírito, enfatizou, «nossa
Igreja pode criar naturalmente ritos e comportamentos, cantos absolutamente
maravilhosos, porque verdadeiros».
Ao destacar que a missa é como um
poema e que não suporta enfeites, Adélia Prado afirmou que a celebração da
Eucaristia «é perfeita» na sua simplicidade.
«Nós colocamos enfeites, cartazes
para todo lado, procissão disso, procissão daquilo, procissão do ofertório,
procissão da Bíblia, palmas para Jesus. São coisas que vão quebrando o ritmo. E
a missa tem um ritmo, é a liturgia da Palavra, as ofertas, a consagração… então
ela é inteirinha.»
«A arte a gente não entende. Fé a
gente não entende. É algo dirigido à terceira margem da alma, ao sentimento, à
sensibilidade. Não precisa inventar nada, nada, nada», disse Adélia.
E encerrou declamando um poema seu,
cujo um fragmento diz:
Ninguém vê o cordeiro degolado na mesa, o sangue
sobre as toalhas, seu lancinante grito, ninguém”.
Por Alexandre Ribeiro